23.12.14

Bruno de Carvalho vs Marco Silva

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O jogo frente ao Nacional
Começando pelo jogo da Choupana, diria que o Sporting fez uma exibição globalmente conseguida, acima até das expectativas, em especial na segunda parte. No primeiro tempo, as dificuldades foram maiores sobretudo pela estratégia do Nacional, que assentava em dois pilares fundamentais. O primeiro, as reposições longas, que tinham Suk como referência para a primeira bola, mas que contavam depois com a verticalidade de Marco Matias e Rondon, quase sempre bem preparados para tirar dividendos imediatos das segundas bolas. O segundo, vinha do momento de transição, onde de novo a verticalidade dos extremos era a consequência prevista para as bolas que o Sporting perdesse nas suas primeiras fases ofensivas. As dificuldades do Sporting resultaram fundamentalmente deste segundo ponto, com a fase de construção a não ter a segurança ideal, sublinhando-se as dificuldades dos médios para se impor a esse nível. No entanto, ofensivamente o Sporting foi sempre perigoso e o golo, que apareceu cedo na segunda parte, mudou boa parte das coordenadas do jogo, nomeadamente forçando o Nacional a assumir mais o jogo, o que contribuiu para um melhor controlo defensivo do Sporting até à expulsão, período onde teve boas condições para conseguir duplicar a vantagem.

Há um último ponto que me merece um comentário, servindo também para entrar na novela que têm protagonizado presidente e treinador do clube. Refiro-me à ideia, deixada por Marco Silva, de que a equipa teria jogado sobre pressão, ficando supostamente afectada por isso. Este é um tema que entra num domínio conjectural e por isso a opinião de cada um valerá apenas isso, mas ainda assim parece-me muito pouco provável que o desempenho dos jogadores fique especialmente afectado por desavenças de terceiros. Se assim fosse, que efeitos devastadores não poderiam ter aspectos que afectassem directamente os jogadores, nomeadamente de ordem pessoal? Enfim, se é indiscutível (e factual) que há aspectos de ordem psicológica que afectam significativamente jogadores e equipas, parece-me abusiva e inverosímil a hipótese de que o  seu rendimento seja assim tão sensível a tudo o que se passa em seu redor.

Bruno de Carvalho vs Marco Silva
Passando então ao choque entre Bruno de Carvalho e Marco Silva, começo por comentar as expectativas do presidente do clube. A minha leitura é que o primeiro erro da gestão do Sporting 14/15 terá passado pelas conclusões retiradas da época anterior, nomeadamente caindo no comum equívoco de estabelecer uma relação linear entre resultados e competências. Este é um ponto sobre o qual escrevi expressamente no final da época passada, já que este era um erro anunciado, pelo menos entre adeptos e generalidade da imprensa. Ou seja, o facto de uma equipa terminar num determinado lugar não significa, ao contrário do que quase sempre se faz crer, que essa equipa seja pior do que todas as que terminaram à sua frente e melhor do que todas as que terminaram atrás de si. O futebol tem uma componente aleatória muito forte e com um peso muito mais largo do que o intervalo que separa o sucesso e insucesso das equipas.

No entanto, à luz deste raciocínio linear, que concluía que o Sporting era a segunda melhor equipa em Portugal, é fácil de perceber as expectativas de Bruno de Carvalho e sua gestão. Mantendo a equipa, o Sporting aspiraria pelo menos a repetir o desempenho do ano anterior, contando ainda com o facto do Benfica ter perdido um número importante de jogadores titulares no defeso, o que aproximaria significativamente o Sporting da ambicionada luta pelo título. Para mais, o Sporting beneficiou ainda com o improvável bónus de poder contar com Nani, numa troca com Rojo que desportivamente foi indiscutivelmente muito favorável ao clube. É fácil, portanto, perceber a insatisfação de Bruno de Carvalho em face das expectativas que, na minha leitura e equivocadamente, poderá ter criado. Mas há mais. É que para além do desempenho pontual abaixo do esperado, o esforço de não vender poderá ter tido custos ainda mais acentuados e que afectam directamente as contas da SAD. É que, de repente, vários jogadores têm tido um rendimento individual muito abaixo do ano anterior, quando a expectativa seria que estivessem numa trajectória ascendente e não descendente. O caso mais claro será o de William Carvalho, o activo mais valioso do clube no Verão, mas com um rendimento muito inferior desde então, o que influenciará certamente o preço que o Sporting poderá vir a pedir por ele, caso necessite de encaixar algum dinheiro num futuro próximo. E aqui é onde penso que poderá fazer mais sentido a insatisfação de Bruno de Carvalho, já que não me parece lógico que aceite de braços cruzados a muito mediatizada teoria de que o Sporting é vitima de uma insuficiência qualitativa no seu sector defensivo, quando apenas saiu um jogador (entretanto muito bem substituído por Paulo Oliveira, note-se) e muitos outros vêm tendo um rendimento individual claramente inferior ao que tinham no passado. E aqui, sem dúvida, tem lógica que as explicações do treinador precedam a requisição de reforços.

Mas, se os desencontros entre treinador e presidente serão normais, o que torna esta situação verdadeiramente sui generis nos tempos actuais é a forma como ela foi passada para a praça pública. Se em termos de conteúdo, o presidente não estará isento de equívocos, terá sido na forma que Bruno de Carvalho mais terá errado neste processo. Ao tornar públicos os seus argumentos, inclusivamente aventurando-se em considerações técnicas que deveriam ultrapassar as suas competências, o presidente passa uma imagem de uma gestão anacrónica e pouco profissional, nomeadamente pela celeridade com que desfez a confiança num treinador com quem apenas há 6 meses havia assinado um contrato de 4 épocas, e pela facilidade com que aparentemente se imiscui nos domínios técnicos da gestão da equipa. Ora, se há 20-30 anos isto era relativamente normal no futebol português, hoje não o é, e mais do grave do que perder o treinador actual é a hipótese de que Bruno de Carvalho tenha denegrido a sua própria imagem enquanto gestor desportivo com esta rábula, nomeadamente servindo de aviso para futuros candidatos ao cargo de treinador principal da equipa do Sporting. Atrair os melhores poderá passar a ser ainda mais difícil para o Sporting, e a não ser que Bruno de Carvalho pense assumir, ele próprio, o cargo de treinador, isso será um problema incontornável tanto para o futuro próximo do Sporting, como para a sua longevidade enquanto presidente do clube.

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