14.6.14

A caminho do Maracanã #2

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México - Camarões
Nas antevisões que partilhei na véspera da competição, apenas não incluí duas formações, tendo uma delas sido os Camarões, não tanto pelo facto de apenas ter visto um jogo da equipa, mas sobretudo porque essa partida foi frente à Alemanha, o que ofereceu um contexto muito próprio e complicado para analisar certos aspectos tácticos. A verdade, porém, é que muito do que se viu nesse jogo voltou a repetir-se frente ao México. Ou seja, uma equipa muito expectante, e combinando essa postura com uma quase obsessão pela linha do fora de jogo, que parece ter prioridade sobre tudo o resto, o que leva a comportamentos tácticos que me parecem, no mínimo, muito discutíveis. É pena, porque os Camarões terão na minha opinião até um conjunto bastante razoável de jogadores, nomeadamente com maior equilíbrio do que outras formações africanas. Assim, porém, vai ser difícil...

Quanto ao México, justificou plenamente a vitória, apesar de ter acabado por não criar um número de ocasiões correspondente ao domínio territorial que exerceu. É uma selecção interessante, como já havia escrito, pela especificidade da sua proposta de jogo, nomeadamente na forma como se impõe na primeira fase de construção, tornando-se difícil de contrariar a largura da sua primeira linha. Depois, terá algumas fragilidades tácticas sobre as quais também já escrevi, mas será curioso ver como o Brasil e a Croácia se adaptarão a esta forma de jogar. Para já, o México tem pelo menos garantida a discussão do apuramento até à última jornada.

Espanha - Holanda
Aí está o primeiro choque!
Começando pela selecção espanhola, referir que foi precisamente, e a par dos Camarões, a outra selecção sobre a qual não escrevi antes da competição. O motivo é o mesmo da formação africana, e tem a ver com o facto de apenas ter visto jogos muito pouco conclusivos sobre as suas características tácticas, sendo que daqui resulta a minha primeira crítica em relação à equipa espanhola, que tem que ver com a sua fase de preparação. É que a Espanha apenas realizou dois jogos antes do Mundial, sendo que o primeiro foi "esbanjado" para escolher o 23º jogador (que provavelmente não fará qualquer minuto neste Mundial) e o segundo foi frente a uma formação de um nível quase amador. Isto, numa equipa que começava logo contra uma das selecções mais fortes da prova, e que inclusivamente partia para este Mundial com algumas alterações no seu onze base. Não vou aqui prestar-me ao papel que tanto critico e estabelecer relações causais depois de conhecer os resultados, mas indepentemente da derrota, é-me bastante difícil de entender este plano de preparação espanhol...

Ainda relativamente à selecção espanhola (permitam-me que me alongue um pouco...), o tema Diego Costa está na ordem do dia, servindo o resultado de mote para as tais relações causais que considero intelectualmente abomináveis. É verdade que Diego Costa não é um jogador forte em posse, que tem outras características, mas não vejo em que é que isso possa afectar negativamente o modelo de jogo espanhol. Desde logo, porque pela qualidade que tem ao seu dispor, não é necessário que a Espanha tenha todos os jogadores a envolverem-se na circulação de bola, para manter a sua identidade. Aliás, nem necessário, nem aconselhável, no meu entender. Para quem tem Xavi, Iniesta, David Silva, Xabi Alonso e outros jogadores excepcionalmente fortes no jogo interior, o que faz sentido é que haja alguém que esteja em campo essencialmente para oferecer profundidade e obrigar o adversário a abrir espaço para potenciar a tal característica que é marcante na equipa. Se tal não acontecer, torna-se mais fácil reduzir o espaço e atenuar o ponto forte da equipa espanhola. Aliás, se olharmos para o Barça de Guardiola, vemos sempre a presença de unidades muito pouco interventivas no jogo da equipa, como Villa, Pedro ou Alexis, mas que tinham a importante tarefa de potenciar o espaço por onde os outros jogavam. O argumento contra a utilização de Diego Costa é que este retira coerência à equipa, mas eu diria que se não tiver quem lhe ofereça profundidade (seja Diego Costa ou outro qualquer), mais do que perder coerência, a Espanha ganhará redundância!

Passando, finalmente, à Holanda, confesso que quando vi o primeiro jogo de preparação fiquei mal impressionado com a equipa de Van Gaal. No entanto, os jogos seguintes fizeram-me rever essa opinião ao ponto de ter escrito, na antevisão final que fiz, que esta me parecia uma das equipas possivelmente mais subestimadas. De resto, é interessante como Holanda e Espanha são casos antagónicos no que respeita ao aproveitamento do período preparatório, sendo que a equipa holandesa retirou grande utilidade dos seus jogos particulares para chegar a este Mundial com uma identidade nova e muito clara. Neste aspecto, tenho de tirar o meu chapéu a Van Gaal: a sua Holanda não é - nem podia ser, de resto - uma das principais candidatas ao título, mas tem certamente hoje uma identidade clara e mais ajustada, tanto relativamente ao contexto competitivo como às características dos seus recursos, sendo que para isso foi preciso alterar orientações tácticas importantes e que já vinham de há muito tempo a esta parte, com a selecção holandesa. Não ficou preso aos preconceitos e idiossincrasias, e foi de encontro à especificidade do seu contexto, e isso é menos comum do que pode parecer à primeira vista. Em particular, destacaria o foco pressionante sobre o corredor central e o facto de exigir uma envolvência muito activa de todos os jogadores no processo defensivo, sendo que a centralização de Robben, Sneijder e Van Persie oferece à equipa muito maior potencial no momento em que ganha a bola.

Para terminar, e sobre o jogo propriamente dito, não seria muito efusivo em relação ao volume do marcador, nem às conclusões a retirar a partir deste surpreendente placard. Cada jogo tem a sua história e se a deste contou, sem dúvida, com uma enorme exposição da defensiva espanhola na parte final da partida (assim como com erros em todo o jogo, que existiram também do outro lado note-se), também havia mostrado uma Espanha mais competente na primeira parte, capaz de se impor no jogo com bola, apesar da boa exibição e de todo o esforço feito pela equipa holandesa. A Holanda passará agora a ser mais respeitada e tem praticamente carimbada a presença nos oitvavos de final, mas o seu pior erro será deslumbrar-se com este resultado. Quanto à Espanha, não a retiraria do lote dos favoritos. Creio que tem todas as condições para se apurar, e se conseguir aproveitar a derrota para corrigir alguns aspectos, rapidamente se tornará de novo numa potência muito difícil de contrariar, até porque tem virtudes que mais nenhuma selecção possui.

Chile - Austrália
Já me havia referido ao risco, enorme, desta equipa chilena, e parece-me que Sampaoli terá ido ainda mais longe no seu aventureirismo, provavelmente pela modéstia do adversário, e duvido que venhamos a ver outra equipa tão ofensiva como esta equipa chilena. Neste aspecto, fica-me a dúvida sobre a estrutura a adoptar nos próximos jogos, porque foi diferente daquilo que havia visto na preparação, mas creio que será reforçada com mais uma unidade no eixo da defesa. De resto, e apesar de toda essa intencionalidade ofensiva, a verdade é que não foi um jogo muito conseguido por parte do Chile, que apesar de ser claramente superior, alicerçou fundamentalmente o seu triunfo no bom aproveitamento que fez das ocasiões que criou. O Chile tem a vantagem, que pode ser importante, de jogar com a Holanda no último jogo do grupo, já que face ao cenário agora definido não é de excluir a hipótese de haver uma poupança holandesa, que se tornará um dado praticamente adquirido caso os holandeses goleiem a Austrália. Neste cenário, e mesmo vencendo o Chile, os espanhóis terão de fazer uma autêntica corrida ao golo, já que o segundo factor de desempate é a diferença de golos.

Quanto à Austrália, há pouco a dizer. É uma equipa muito limitada e penso até que faz um bom aproveitamento dos recursos que tem. Mas, e em face do que escrevi antes, não é de excluir a hipótese de esta ser uma equipa decisiva nas contas finais do grupo, mesmo que... termine com zero pontos!

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