19.11.10

Portugal - Espanha: Análise e números

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Um pouco às avessas com aquilo que é normal, a análise do jogo ficou relegada para o fecho do “capítulo Selecção”. Já fui amplamente elogioso em relação à exibição e, por isso, talvez seja melhor começar por salientar outro aspecto. É que, se o jogo descambou para um goleada, nada o fazia supor nos primeiros 35 minutos. Ao contrário do que é muitas vezes sugerido, não me parece que tivesse havido especial demérito da Espanha na primeira parte. A equipa foi igual a si própria, lidando bem com uma pressão fortíssima do meio campo português, quer em termos de circulação, quer em termos de reacção à perda da bola. Na segunda parte, sim, a história é um pouco diferente. Quanto à primeira, o mérito vai 100% para Portugal que acabou por vencer um autêntico duelo de nervos entre a posse espanhola e o pressing português. Aliás, sendo um exercício obviamente especulativo, parece-me improvável que, em Lisboa ou na África do Sul, a resposta dos espanhóis pudesse ser muito diferente daquela que foi dada na primeira parte.

Notas colectivas
A estratégia portuguesa foi completamente diferente daquela que a maioria das equipas optam por escolher frente ao “tiki taka” e, seguramente, muito diferente daquela utilizada por Queiroz no mundial. Um "pressing" colectivo muito forte e feito em toda a área do campo – comprimento e largura. O segredo, e única via para o sucesso, estava em estar sempre junto e em ter uma grande capacidade de reacção ao movimento da bola. Sim, porque a Espanha não iria perder a bola facilmente. Um desafio enorme em termos de concentração e união colectiva e que, repetindo a ideia, forçou um jogo de nervos entre a posse espanhola e o "pressing" luso. Quem iria fraquejar primeiro? A qualidade de circulação espanhola, perante o pressing permanente? Ou a qualidade de ajuste posicional do pressing, perante a óptima e constante circulação?

Não há suspense, todos sabemos qual o resultado, mas importa também dizer que não foi a pouco custo que Portugal o conseguiu. Os espanhóis tentaram de tudo, circulação apoiada, bolas na profundidade (ainda que poucas) e variações de flanco. Portugal foi notável na reacção, conseguindo manter quase sempre uma grande concentração na zona da bola, mesmo quando esta mudava rapidamente a sua posição. “Quase”! É que a Espanha também encontrou os seus buracos, especialmente quando conseguiu levar o jogo até às alas, com a subida dos laterais, encontrou espaços e por pouco não chegou ao golo.

Entendo, por tudo isto, que o demérito espanhol é muito pouco e seguramente muito menor do que aquilo que agora se quer fazer crer. Pelo menos na definição do jogo. A Espanha jogou com o seu melhor 11 e as suas individualidades não estão propriamente num momento de descompressão ou precoce em termos de preparação. É uma equipa que joga junta há anos, muitos deles todos os dias, e que está numa altura de alto rendimento em termos de temporada. A sua resposta, aliás, foi boa, e duvido que qualquer outra equipa tivesse durado tanto tempo perante a qualidade do "pressing" da Selecção portuguesa. A critica que pode ser feita é em termos de reacção à adversidade, quando esta apareceu. Na segunda parte, de facto, houve uma perda de qualidade no jogo colectivo espanhol, sobretudo na qualidade de circulação e reacção à perda, a que não são alheias as substituições. Uma coisa é ter Xavi e Iniesta, outra é não ter. Mas também do lado português houve uma perda de qualidade. Perda de qualidade pelas alterações individuais, e também porque seria impossível manter a intensidade que a equipa revelou nos primeiros 45 minutos.

Como balanço, importa voltar a sublinhar o impacto da entrada de Paulo Bento. Impacto nos níveis de confiança da equipa, que são explicados pelo habitual efeito da “chicotada”, e que foram depois catapultados pelos primeiros resultados positivos. Porque uma coisa é os jogadores acreditarem nas ideias de uma nova liderança, outra é sentirem realmente que essas ideias têm reflexo prático nos seus resultados. E impacto, também, ao nível da qualidade táctica da equipa, porque aquilo que se vê hoje a Selecção fazer está bem a cima do nível geral das Selecções mundiais, não tem nada a ver com a banalidade das estratégias (muitas vezes auto destrutivas) de Queiroz, ou sequer com a “era Scolari”, onde simplesmente não existia estratégia a este nível. O que não dá para afirmar é que Portugal está hoje mais motivado do que no mundial, ou que são os jogadores que estão a marcar a diferença entre Queiroz e Bento. É simplesmente absurdo supor que um jogador se sente mais motivado num particular do que numa fase final de uma campeonato do mundo, apenas por questões de simpatia com o seleccionador. Pelos para mim, é absurdo.

Um potencial problema que pode emergir reside no facto de Portugal ter atingido um pico demasiado cedo. Isto é, o nível que Portugal atingiu frente à Espanha não é superável. Não há adversários mais fortes do que a Espanha e não é possível realisticamente obter melhores resultados do que aquele que tivemos. Ou seja, com tudo ainda por jogar, convém não deixar que este resultado sirva para desactivar níveis de intensidade e ambição.

Notas individuais
João Pereira – Fez um jogo fantástico em termos de intensidade e qualidade. Seria, à partida um dos casos que mais problemáticos, dada a movimentação típica de Villa, mas a forma como a equipa jogou e a sua própria concentração e intensidade fizeram dele um dos jogadores mais assertivos no terreno. Só lhe faltou a parte ofensiva.

Bosingwa – Jogou adaptado e não se pode dizer que se tenha dado mal. Afinal, a Bosingwa não lhe falta experiência no que respeita a adaptações. Ainda assim, é um jogador que oscila entre uma excepcional capacidade física e técnica, com alguns momentos menos prudentes em termos de opção. Nesse aspecto, jogando com o pé direito, à esquerda, pode potenciar alguns passes interiores menos aconselháveis. E isso chegou a acontecer. É uma nota a tirar.

Centrais – O destaque vai para os números de Bruno Alves. Jogou os 90 minutos mas teve um nível de participação baixíssimo. Neste caso, porém, não lhe é devida uma critica especial. Em relação a Pepe e, sobretudo, Carvalho, foi um jogador mais posicional e menos agressivo a jogar em antecipação. Essa característica, combinada com o mérito colectivo que impediu a Espanha de accionar muito poucas vezes a zona dos centrais, fez com que estivesse muito tempo fora do jogo. De resto, cada um ao seu estilo e cada um no seu tempo, Carvalho e Pepe, estiveram esplêndidos (destacando ainda assim o papel de Carvalho na primeira parte, importante no papel táctico de cortar o espaço entre linhas).

Meireles – Um jogo fantástico do “pivot”. Teve uma missão especialmente próxima dos médios, formando um bloco intermédio que bloqueava a zona central. Muitas vezes formou mesmo uma linha com Moutinho e Martins, mas pôde também ler o jogo de trás, ajustar posicionamentos, antecipar, preparar o momento da perda... Enfim, um jogo tacticamente excelente, com a particularidade de ter dado, com bola, uma certeza fundamental na sua zona.

Moutinho – Será um dos maiores destaques do jogo, pelo papel táctico que teve, e por ter sido, desta vez, determinante ofensivamente. Já muito se falou dele e da sua cultura táctica e, de facto, não há muito a acrescentar a cada exbição que faz. O rigor é sempre o mesmo, a fiabilidade também, o que varia é a inspiração - e a oportunidade para tal - ofensiva.

Martins – Este era um bom teste para ele. Isto porque é um jogador que tem alguma dificuldade em termos defensivos. Não parece gostar muito de defender e, sobretudo, não tem uma grande percepção táctica em termos defensivos, o que faz com que a sua reacção posicional nem sempre seja tão rápida como devia. Neste desafio, de correr mais sem bola do que com ela, esteve muito bem e acabou por ser o protagonista de algumas intercepções decisivas.

Nani – Fica marcado pelo lance de Ronaldo e é óbvio que deve ser censurado pela opção que tomou. A questão é que a reacção não é tão anormal quanto isso em ambiente de jogo, e talvez o próprio Ronaldo fizesse o mesmo. De resto, e à parte de outro chapéu displicente que tentou, fez um grande jogo, provando de novo que é um dos melhores extremos do futebol mundial.

Ronaldo – A sua utilidade táctica e técnica combinam agora para que seja, quase sempre e enquanto está em campo, o maior dos destaques. Porque é que Ronaldo não chuta agora de 40 metros? Porque é que parece um jogador muito mais útil em todos os momentos? Porque é que não está tão ansioso em fazer tudo sozinho? O que mudou não foi Ronaldo, o que mudou foi a Selecção. Afinal, aquilo que sempre foi óbvio e que sempre fui escrevendo. O problema nunca foi Ronaldo, mas sim a envolvente...

Postiga – Fez um jogo importante em termos tácticos, orientando o “pressing”. Não é um jogador muito agressivo nessa tarefa, mas quando a equipa tem um propósito colectivo, torna-se também ele um jogador integrado e útil sem bola. De resto, os golos fazem-lhe bem. A ele, como a qualquer avançado, mas ele especialmente.

Manuel Fernandes – Acho-o um jogador de tremendo potencial e havia feito bons jogos no ciclo terrível que terminou com a saída de Queiroz. O problema de Manuel Fernandes é o risco que assume no meio campo e alguma displicência em que cai com facilidade. Sempre foi e provavelmente sempre será o seu pecado. Por alguma coisa perdeu um passe que deu transição para ataque rápido, na fase dos “olés”. Gostaria de o ver numa fase de outra organização e intensidade colectiva como aquela a que assistimos na primeira parte.



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