9.11.10

Porto - Benfica: Análise e números

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A emotividade que o próprio jogo acarreta conduz sempre a uma exacerbação da análise que é feita à posteriori. Tudo em função daquilo que, afinal, é o que mais importa para todos: o resultado. Neste caso, “baile”, “banho”, “vergonha” ou “incompetência”, são palavras que, ora pela positiva, ora pela negativa, surgem com frequência no léxico do pós-jogo, mas que são muito mais o reflexo de um sentimento final do que da síntese objectiva do jogo em si. Quero eu com isto dizer que a goleada portista surge como consequência de um jogo excepecionalmente perfeito de uma das equipas, perante a impotência da outra. “Perfeito”, não por um eventual massacre, mas, “perfeito”, pela ausência quase total de erros e pela eficácia plena no aproveitamento ofensivo. “Impotência”, não por um demérito extremo, mas, “impotência”, por uma incapacidade, até certo ponto normal, de contrariar a força do adversário. Porque, se foi seguramente o pior resultado da equipa, este está longe de ter sido jogo menos conseguido que o Benfica fez.


Notas colectivas: Porto
A palavra “perfeição” ajusta-se na plenitude à exibição. O plano de jogo foi cumprido à risca, como muito raramente acontece. O objectivo, claro, nunca é golear, mas ganhar de forma controlada. O Porto goleou porque foi excepcionalmente eficaz, mas nunca perdeu o controlo do jogo e do adversário. Nem no inicio, quando as coisas ainda estavam iguais. Nem no meio, quando o Benfica ainda pensava reagir. Nem, tão pouco, no segundo tempo, quando, com o jogo “no bolso”, poderia haver alguma tendência para o facilitismo. Por tudo isto, digo que foi perfeito.

Podemos falar dos aspectos tácticos, e eu já várias vezes o fiz. Na forma como a
equipa procurou neutralizar o adversário com uma zona de pressão concentrada, agressiva e densa, que partia da linha média, mas que crescia no campo. Com uma primeira fase do pressing que tentava orientar e facilitar o trabalho dos recuperadores. Com uma transição preparada a partir dessa zona de recuperação e que potenciava os desequilibradores da equipa. Com Sapunaru mais prudente, mantendo equilíbrios no corredor quando em posse. Com Belluschi a colmatar a prudência do lateral e a ser o elemento de desequilíbrio junto de Hulk. Com uma posse paciente e confiante, capaz de decidir bem e envolver com segurança a primeira linha de pressão do Benfica.

Podemos falar de tudo isto, mas o aspecto que mais quero destacar é o aspecto emocional. A equipa vem sendo consecutivamente trabalhada neste aspecto por Villas Boas, desde o inicio de época. Mais do que aspectos físicos ou delírios tácticos, Villas Boas tem gerido meticulosamente os índices mentais dos jogadores e da equipa. O reforço consecutivo da equipa e dos protagonistas na sua proposta de jogo conduziu a um crescendo de confiança que, em combinação com a qualidade e o talento, fazem desta uma equipa altamente lúcida e capaz de interpretar com grande segurança todos os momentos de jogo. Uma equipa, também, e por consequência, anormalmente eficaz no aproveitamento das situações que cria no jogo.

O Porto goleou e transformou-se rapidamente na melhor equipa do país, muito pela confiança que soube adquirir e cultivar. Hoje tira partido disso e, se a souber continuar a trabalhar e valorizar, não é de excluir a hipótese de uma “limpeza” de títulos esta temporada.

Notas colectivas: Benfica
Tal como havia antevisto, Jesus mexeu, como gosta de mexer nestes jogos. Manteve o 4-4-2 clássico com que vencera o Lyon e, também algo previsivelmente, recompôs a ala esquerda e escolheu 1, entre Saviola e Aimar. Seria uma “vitória táctica”, se tivesse corrido bem, ninguém duvide. Assim, como aconteceu tudo ao contrário, Jesus é, por estes dias, uma das pessoas que menos percebe de futebol em Portugal.

Vamos por partes. Começando pelo flanco esquerdo, creio que se justificava uma óbvia preocupação com Hulk e, noutras circunstâncias, não seria descabido utilizar David Luiz à esquerda. O ponto é que, por um lado, era preciso ter cautelas na exposição em transição e, por outro, era óbvio que a capacidade individual de Hulk mereceria cautelas especiais, mesmo em ataque organizado. O erro está muito mais na forma como se tentou parar Hulk do que na escolha dos protagonistas. Ou seja, Hulk teria de ser parado zonalmente e não individualmente. Com situações de cobertura defensiva e não pela crença numa performance heróica no duelo individual.

O grande problema da utilização de David Luiz não está em alguma perda de capacidade de resposta defensiva em relação a Coentrão. Está, isso sim, naquilo que implicaria por arrasto. Ou seja, mexer de mais, noutra zona da defesa, e mexer num jogador que tem um peso relevante na forma de jogar da equipa, em todos os seus momentos. Porque, de resto, percebe-se a preocupação de Jesus em termos individuais. Ou seja, “prender” Coentrão seria perder uma mais valia ofensiva. O facto – e isto é muito mais fácil de ver depois – é que perdeu David Luiz e acabou por perder também o próprio Coentrão, que fez um jogo péssimo.

Quanto ao resto, ao 4-4-2 clássico e à opção de deixar Saviola de fora, sou critico sobretudo em relação à opção individual. Saviola é o jogador que mais problemas cria em termos de movimentação e, mesmo se vem caindo em termos de confiança e rendimento técnico, está longe de ser um elemento discutível no onze. Manter um elemento com as características de Kardec/Cardozo e retirar um elemento mais criativo é uma opção que acho discutível mas que há muito faz parte da filosofia de Jesus. O Benfica já se deu muito bem com isso e não acho intelectualmente honesto que seja agora crucificado por isso.

Importa dizer, com tudo isto, que o Benfica fez um jogo bem menos errático do que na Supertaça, em Guimarães ou em Lyon. Foi goleado porque, simplesmente, encontrou do outro lado uma equipa inabalável mentalmente e que puniu todos os erros que provocou. Como disse no inicio, este esteve longe de ser o jogo menos conseguido da equipa.

Por fim, discordar de uma ideia que agora vem sendo muito passada, com o habitual exagero destas alturas. Diz-se que o Benfica jogou em função do Porto, mas essa critica tem de definir melhor os seus limites. Todas as equipas se adaptam perante adversários mais fortes e o próprio Porto o fez, estrategicamente. Uma coisa, porém, é alterar a estratégia e ajustar comportamentos, outra é mexer estruturalmente, passando por cima da própria identidade da equipa. Concordo que Jesus terá roçado esse limite, mas nunca que o tenha ultrapassado de forma clara.

Notas individuais: Porto
Sapunaru – Se alguém tem dúvidas sobre o que pode fazer a confiança, repare-se no rendimento de Sapunaru. Ganhou mais bolas do que qualquer outro jogador na partida e não teve 1 erro que se identifique.

Moutinho – Ser o “relógio” em alguns jogos de menor grau de dificuldade é uma coisa, nestes é outra. Não esteve nos desequilíbrios, mas foi, de longe, o jogador mais influente no meio campo. Isto é um grande elogio, por ser frente ao Benfica, mas também porque, ao contrário do que muitas vezes se diz, nem sempre é assim.

Belluschi – Um pouco em contra-ciclo com Moutinho. Ou seja, foi um jogador importantíssimo na definição do jogo e nos desequilíbrios, mas no resto esteve um pouco abaixo do que lhe é possível e habitual. Mas aqui, e também em contra-ciclo com Moutinho, o crédito que lhe é normalmente dado também é bastante inferior àquele que merece.

Hulk – Foi o herói do jogo e será seguramente o herói deste campeonato. Mais palavras para quê? Está à vista de todos...

Notas individuais: Benfica
David Luiz – Foi o vilão do jogo, mas injustamente. Não que tivesse estado bem, mas porque esteve longe de ter sido por sua causa que o jogo se decidiu. Ou seja, parar Hulk com 15 metros nas costas é algo que não se pode pedir a ninguém. Seria ele ou outro qualquer. No segundo golo tem responsabilidade na origem do lance, mas a sequência, mais uma vez, transforma-o mais em vitima do que réu, pela forma pouco solidária como a equipa respondeu.

Sidnei – A contabilidade estatística não lhe faz justiça. Esteve envolvido nos 3 primeiros golos com comportamentos colectivos errados – se é responsabilidade individual ou colectiva, já não posso afirmar – e não justificou minimamente a confiança. É muito jovem e tem evidente potencial, mas desfazer a dupla Luisão-David Luiz custou caro.

Luisão – Prejudicou gravemente a equipa com a sua expulsão, tendo, provavelmente desencadeado a goleada. Foi notório, pela linguagem gestual ao longo do jogo, que a frustração o estava a afectar. É pena, porque sabe mais, e porque estava a ser o melhor da equipa até à expulsão.

Carlos Martins – A sua presença foi importante. A equipa criou mais opções na saída de jogo e o Porto não provocou tantas perdas de bola nessa situação como na Supertaça, por exemplo. Depois, esteve também combativo e útil no trabalho de meio campo – o que nem sempre acontece. Só o medo de uma expulsão justifica a sua substituição.

Salvio – Para mim – e apesar de não ter feito um grande jogo – é mais um bom sinal que dá. Esteve bem tecnicamente num jogo muito difícil e, para além disso, demonstrou também óptima atitude e intensidade sem bola. Justifica uma continuidade na aposta.

Coentrão – Em absoluto, um jogo para esquecer. Primeiro como médio, forçou demasiado e perdeu sempre perante a maior solidariedade portista. Depois, como lateral, teve um erro decisivo ao entregar a bola a Hulk, possibilitando 1x1 que resultou no penalti. Acontece, e não é por isso que tem de deixar de ser um dos melhores laterais esquerdos do futebol mundial.



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