12.7.10

Diário de 'Soccer City' (#26) - último

ver comentários...
No encerramento do “Diário de Soccer City”, que contará apenas com algumas notas de rodapé sobre a competição – a apreciação mais geral já foi feita durante a prova – quero começar da mesma forma que fiz no inicio do mundial. Ou seja, com um esclarecimento de como será o funcionamento do blogue nos próximos dias. Depois do Mundial, passarei directamente para o mercado, que me abstive de comentar no último mês. Assim, e aproveitando o conhecimento aprofundado que tenho de praticamente todos os reforços do futebol português, irei dedicar algum espaço para a análise de alguns dos mais importantes jogadores que marcaram o defeso até ao momento. Vamos então às últimas notas...

Espanha, o paradoxo do campeão
Não é difícil de perceber que a Espanha será um dos mais importantes campeões da história do futebol. Isto, porque ao contrário da generalidade das suas antecessoras, a Espanha ganha marcando uma diferença clara de estilo para todo o mundo. Um estilo que, como descrevi na antevisão, tem raízes históricas profundas e que é produto da ponte filosófica que se fez entre Amesterdão dos anos 70 e Barcelona da primeira década do milénio.

Mas há nisto tudo um dado paradoxal. É que se a Espanha se eternizou pelo seu estilo ofensivo, não pode deixar de ser notado que nenhum campeão mundial terá sido tão pobre em eficácia ofensiva como os espanhóis. E isto não é obra do acaso. Primeiro, porque a Espanha – ao contrário do Barcelona – não soube encontrar complemento colectivo às soluções que criava na primeira fase de construção. Por isso, os seus reduzidos golos são apenas a consequência natural de um jogo de poucas oportunidades. Depois, porque um jogo tão forte em posse tem um potencial defensivo talvez naturalmente maior do que ofensivo. Porquê? Porque no futebol só há uma bola e a melhor maneira de fazer o adversário atacar menos não é defender melhor, mas atacar melhor. Ou seja, se a bola está sempre do lado dos espanhóis, pode não ser certo que eles irão fazer golo com ela, mas é certo que não vão sofrer.

“O ataque é a melhor defesa”, não é uma frase nova, mas nenhuma equipa tinha explicado tão bem o que ela quer dizer como o Barcelona e, agora a outro nível, a selecção espanhola.

Del Bosque e o lugar certo
No banco do campeão estava já um homem que figura entre os mais bem sucedidos técnicos do futebol de clubes. Agora, com o título mundial, Del Bosque passa a ser provavelmente o técnico com o mais impressionante currículo da História do jogo. Fantástico, não é?

Se tivesse de fazer um ranking qualitativo de treinadores, teria muita dificuldade em posicionar Del Bosque. Na verdade, creio que ele foi mais um handicap para a Espanha do que outra coisa. Um handicap, porque quando se tem ao seu dispôs a estrutura base da melhor equipa do mundo, e se a desfaz para inventar outra disposição, mas com os mesmos jogadores, neste caso, só se pode estar a tornar a tarefa de vencer um pouco mais difícil. Foi isso que, na minha opinião, fez Del Bosque. Não era preciso ser genial para importar o meio campo do Barcelona, Busquets – Xavi – Iniesta, aproveitar a sua dinâmica da mesma forma que aproveitou a dinâmica da dupla de centrais, e juntar-lhe um trio de ataque com Pedro-Villa-Torres, por exemplo. Respeitar o 4-3-3 do Barça seria a solução óbvia, mas Del Bosque resolveu complicar, retirar uma unidade ofensiva para introduzir Xabi Alonso e mudar a estrutura. Complicou a sua própria vida, mas a herança era tão rica que mesmo assim... ganhou.

Enfim, Del Bosque pode ser o treinador mais bem sucedido da História, mas será também a prova de que mais importante do que ser bom, muitas vezes, é especialmente decisivo estar-se no lugar certo à hora certa.

De Forlan a Xavi
Forlan foi o melhor do Mundial. Concordo, por um lado. Pelo lado do desequilíbrio, do peso que uma unidade tem nos momentos decisivos. Nesse prisma, foi ele o melhor, sem dúvida. Acho, no entanto, que se o “tiki-taka” é o estilo dominante do futebol moderno, era tempo do mundo o perceber e reconhecer realmente. A posse infernal dos espanhóis não se faz, como é óbvio, com um só jogador, mas o seu potencial só é atingido pela qualidade excepcional de alguns dos seus intérpretes. Ora, se o futebol da Espanha não desequilibrou pelos dribles, ou pela capacidade de decisão no último terço. Se o desequilíbrio é a posse, o controlo e a envolvência, então talvez fosse hora de valorizar todos esses atributos também na eleição individual.

Como Cruyff foi a figura do “Futebol Total”, Xavi é a cara do “tiki taka”. Será que, mesmo com o mundo a seus pés, ninguém reconhecerá o verdadeiro impacto das suas virtudes?

O “caso Coentrão”
Um último comentário, bem à margem da final e das grandes decisões. Quero falar de Coentrão e do impacto que teve. Antes do Mundial, Coentrão era uma adaptação e um risco. Agora, é uma revelação e um dos melhores do mundo. Nós, que o vemos semana após semana não podemos acreditar que tenha passado a ser um jogador diferente. São 2 ideias que há muito venho defendendo e que talvez agora façam mais sentido para a generalidade: (1) é muito fácil criar laterais de topo a partir de extremos, tenham estes algumas características para a transição. Se não temos mais em Portugal, é porque houve falta de visão. (2) O nível dos laterais de topo em Portugal é muito elevado e a maioria deles jogaria em boa parte dos principais clubes mundiais.

Espero que o “caso Coentrão” sirva, finalmente, para que algumas conclusões sejam tiradas a este respeito. Que seja contextualizado com exemplos igualmente mediáticos como foram Miguel ou Bosingwa e, já agora, que não se volte a cometer o erro de deixar João Pereira para levar Paulo Ferreira. Ou, pior ainda, fazer jogar centrais, quando se tem nas laterais um dos pontos fortes do nosso jogo.

Para finalizar o tema, não evito recordar este post.



Ler tudo»

AddThis