1.7.08

Notas finais do Euro

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Aspectos Colectivos

Clubes vs. Selecções
Começo por voltar àquela previsão, feita no lançamento da prova, de que este seria, sem dúvida, um torneio de jogos não tão minuciosamente preparados como aqueles que assistimos ao nível de clubes, mas seguramente não menos interessantes. Menos treino e mais jogo é sinónimo de mais erros e menos perfeição, mas também de maior improvisação e maior imprevisibilidade. Comparativamente com o futebol de clubes ao mais alto nível, o Euro foi tudo isto e, na verdade, quem poderá falar de desinteresse?

Tendências Tácticas
Estas são competições que marcam muito os tempos, já que é elas que a história do futebol recorre para, anos mais tarde, analisar tendências. Tacticamente destaque para a abundância do 4-4-2 clássico como sistema de referência deste Europeu. Suíça, Croácia, Alemanha, Suécia, Espanha e França iniciaram o Euro com este sistema e outras selecções recorreram a esta disposição de jogadores durante os jogos (até Portugal, sem qualquer tradição nesta opção, actuou numa versão próxima deste sistema durante grande parte do jogo frente à Alemanha). Ainda assim, não se pode deixar de referir o recurso a variantes do 4-5-1 (4-1-4-1 ou 4-2-3-1) na fase decisiva da competição, o que não deixa de ser sintomático quanto à importância da zona central. Nota, finalmente, para duas opções em vias de extinção ao nível dos sistemas: os 3 defesas (ou 3 centrais), apenas utilizada pela Áustria e Grécia e o 4-4-2 em losango. Aqui 2 comentários em sentidos diferentes. Enquanto que os 3 defesas é uma opção abandonada pela Europa (recorre-se ainda muito na América do Sul), por se considerar menos sólida, o losango nunca foi devidamente absorvido pela maioria dos países europeus talvez, digo eu, por ser mais exigente ao nível das dinâmicas de jogo. Esta ideia – e é apenas uma ideia – é um elogio para o futebol português, onde vários treinadores conseguiram nos últimos anos sistematizar processos com bons resultados, tendo o 4-4-2 losango como sistema.
Dito tudo isto sobre sistemas tácticos, acrescento que se os modelos de jogo estão longe de se esgotar na geometria do esqueleto, ao nível de selecções, onde há menos tempo de treino, esta questão torna-se mais importante e, por isso, assistimos a algumas mudanças de sistema dentro da própria competição, algo que a nível de clubes raramente acontece por ser muito pouco aconselhável.

Selecções
A história do Euro é marcada, naturalmente, pela vitória da Espanha (sobre quem já escrevi ontem), mas, para quem viu, há mais equipas para destacar:

Croácia: Nota positiva para uma equipa com muitos nomes promissores e uma grande lição estratégica (Bilic foi o primeiro a desfazer o seu 4-4-2 inicial para ganhar superioridade a meio campo) que provocou um sinal de alerta na Alemanha, talvez decisivo para a caminhada para a final. Os croatas foram, no entanto, pouco emocionais e deixaram-se cair quando tinham tudo para discutir um lugar na final.

Turquia: A sensação do Euro. O que a Turquia fez foi algo próximo de um milagre. Terim foi sempre pouco inteligente estrategicamente e a equipa, apesar de competitiva, foi vivendo dos sucessivos “milagres” no final dos jogos. Na meia final frente à Alemanha foi mais determinada, até melhor, mas sempre, sempre inocente na forma como se expôs ao erro.

Alemanha: Low terá, talvez, o maior mérito entre os treinadores do Euro. Levar a Alemanha à final com as debilidades individuais da sua equipa foi um feito e isso foi reconhecido pela forma como este histórico foi recebido no seu país. Estrategicamente, e tirando a não decisiva partida contra a Croácia, esteve sempre bem. Não deu para mais e, diga-se, já foi bem bom!

Holanda: A sensação da primeira fase, dominando o grupo da morte e sendo a primeira selecção a impressionar meio mundo. Talvez o problema da Holanda terá sido não ter levado mais cedo um susto que a despertasse para as suas debilidades, nunca expostas durante uma fase de grupos em que esteve sempre a ganhar. Van Basten surpreendeu as poderosas Itália e França com aquela contenção do duplo pivot pouco ofensivo, mas quando foi preciso dar qualidade à posse de bola... a Holanda caiu.

França: A desilusão da prova. Não pela eliminação, mas pela paupérrima prestação. O 4-4-2 de Domenech foi totalmente despropositado e sem qualquer dinâmica rotinada. Ainda deu um ar de poder recuperar no jogo contra a Holanda mas, aí, também não teve a sorte do seu lado.

Itália: A obcessão pelo sistema do Milan e pelo recurso a Toni foi a perdição de Donadoni. A equipa nunca se apresentou ao nível que se esperava, sendo muito vertical mas pouco imaginativa ofensivamente e longe da eficácia histórica em termos defensivos. Ainda assim, a qualidade não esteve totalmente ausente e apenas caíram nos penaltis frente à campeã Espanha.

Rússia: Primeiro demasiado ofensiva, expondo-se defensivamente às transições adversárias. Depois, mais controlada e a apresentar uma qualidade de movimentos colectivos sem par neste Euro. Este é o grande mérito de Hiddink, porque defensivamente exigia-se bem mais. A culpa não será só do seleccionador mas também da cultura do próprio futebol russo, algo distante das exigências tácticas do centro da Europa. Depois do brilharete frente à Holanda veio o falhanço estratégico no posicionamento do pressing para fazer frente à qualidade do meio campo Espanhol.


Individualidades

Guarda Redes
Foi um Euro difícil para os guarda redes. Buffon e Cech, dois dos melhores do mundo estiveram abaixo do que deles se exige. Lehmann, o finalista, teve vários erros e, na verdade poucos terão escapado à critica. A excepção, claro, Casillas. O Espanhol foi de longe o melhor de um Euro que teve também, por exemplo, Van der Sar em bom plano.

Defesas
Laterais direitos é dificil de destacar. Ainda assim, destacaria Corluka da Croácia, Sabri da Turquia (sobretudo ofensivamente) e, quase inevitavelmente, Sérgio Ramos.

Na lateral esquerda, mais hipóteses. Zhirkov, pela capacidade ofensiva, Grosso também me agradou e Van Bronckhorst merece igualmente referência. Quem não consigo destacar é Lahm.

Como centrais, Pepe, mantenho-o, foi o melhor que vi (atenção à evolução notável de Pepe nos últimos anos, afirmando-se no Porto, fazendo parte do melhor onze da Liga no ano de afirmação em Espanha e, agora, integrando a selecção ideal da Uefa). Marchena e Pujol foram sempre bem protegidos mas têm de ser destacados por raramente terem errado. Kolodin deu nas vistas na Rússia e, na Itália, apareceu um tal de Chielini que já se conhecia dos sub 21 e que pode ter tido aqui o seu inicio como referência da Selecção transalpina. Outro central que jogou a médio foi fundamental no duplo empate da Roménia: Chivu.


Médios
São tantos que é difícil escolher. Na Espanha todo o meio campo: Senna foi um esteio, quase perfeito (ainda assim, e apesar da importância da função acho uma afronta considerar-se um jogador de funções essencialmente tácticas o melhor de uma competição, como alguns fizeram), Xavi, para mim e para a maioria, o melhor do Euro, Fabregas apenas foi ofuscado pelo pouco tempo que jogou e Iniesta e David Silva (principalmente o primeiro) dois complementos fundamentais para dar à Espanha a tal qualidade de posse de bola que fez a diferença. Mas houve mais. Gelson Fernandes da Suíça teve pouco tempo, mas mostrou qualidades, Hamit Altintop foi um dos melhores do Euro pela qualidade e dinâmica emprestadas, Modric a revelação e um adocicar de boca para o seu futuro na Premier League, Sneijder o melhor até aos quartos de final, De Rossi, para mim, o melhor da Itália, Ballack intermitente mas decisivo na caminhada da Alemanha, tal como o fulgurante Schweinsteiger, Zyrianov o mais consistente de uma Rússia que teve em Semak outra boa revelação. Mas uma das performances mais perfeitas que vi foi a de Deco. É pena...

Avançados
Vou incluir aqui Arshavin que, não sendo uma revelação para quem anda atento, teve um enorme impacto... tão grande como o seu desaparecimento na meia final. De resto, é fácil escolher... Torres e Villa na Espanha, Podolski e Klose na Alemanha, Pavlyuchenko, outra revelação, na Rússia, Van Nistelrooy na Holanda e Ibrahimovic na Suécia, apesar do pouco tempo. Nota ainda para um jogador que não esteve em foco mas que creio poder tornar-se brevemente uma das referências do futebol mundial: Benzema.


Portugal
Ao contrário do que se disse, nas habituais visões fatalistas na hora da derrota, não creio que Portugal tenha desiludido em termos de qualidade de futebol. Ou, pelo menos, nos 4 momentos do jogo “corrido”. O que se viu de Portugal nos primeiros jogos foi tão bom como qualquer outra Selecção e é por isso que a frustração desta eliminação ainda é maior, porque, de facto, poderíamos ter disputado a vitória.
A conclusão que me fica é que o próximo passo tem de ser dado no sentido de querer chegar mais próximo da vitória final. É preciso mais visão estratégica e mais preocupação com os detalhes do jogo – não podemos perder um jogo com erros colectivos tão gritantes ao nível das bolas paradas! Vencer (entenda-se, melhorar as condições para) deve ser o objectivo de curto prazo do próximo seleccionador até porque ninguém nos garante que esta qualidade dure muito tempo numa selecção de um país de apenas 10 milhões. Uma nota final para Cristiano Ronaldo. Talvez seria melhor alguém explicar ao rapaz que o que fez Torres no dia 29 de Junho de 2008 vai ter muito mais importância na história do futebol do que qualquer dos golos que Ronaldo possa marcar pelo Manchester, Real Madrid ou outro clube... É que ao afirmar “não tenho nada a provar” antes da competição mais importante da época não parece evidenciar grande consciência para esse facto!

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