4.6.08

Então e a emoção?

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Europeus e Mundiais são as competições que vivo com mais intensidade e, antes de cada um destes eventos, tenho por hábito comprar uma daquelas revistas que supostamente trazem tudo sobre a prova mas que, no final, falham invariavelmente num largo número de previsões em torno dos protagonistas que apresentam para cada uma das selecções. É uma consequência inevitável da imprevisibilidade do futebol, mas não é pelos prognósticos que compro as ditas revistas. Servem, antes sim, como uma espécie de documento que fica guardado na prateleira e que, um pouco ao jeito de um bom Vinho do Porto, se torna cada vez mais interessante à medida que os anos vão passando. Mas não sobre este meu hábito que quero falar... O que quero realmente abordar é o texto de introdução do convidado de honra do “record”, Carlos Queirós, para o texto que serve de introdução ao guia do Euro 2008. Sob o título “Que futuro?”, Queirós deixa a sua visão pessimista sobre o interesse e qualidade das grandes competições de Selecções:

“Se é verdade que nesta competição poderemos ver os melhores jogadores de cada país juntos numa só equipa, quem é que realmente poderá manter interesse nisso se ao longo de semanas anteriores pudemos ver autênticas selecções mundiais dos melhores jogadores reunidos em diferentes equipas?”

Esta é uma das interrogações que Queirós utiliza na sua argumentação onde defende, essencialmente, que o futebol de selecções tem hoje menos qualidade do que aquele que é disputado ao mais alto nível de clubes europeus, existindo 3 motivos para isso: (1) pouco tempo de treino (2) sobrecarga física dos jogadores (3) efeito “Bosman” com os mais poderosos clubes a conseguirem reunir um conjunto de individualidades pelo menos tão bom como a melhor das selecções. De tudo isto, Queirós conclui que estas competições estão progressivamente a perder o seu interesse. É aqui que eu discordo, profundamente.

Quanto à diferença qualitativa em termos técnico-tácticos do futebol de clubes e Selecções, não há dúvidas, mas essa não é propriamente uma novidade dos últimos 4 anos. O problema é que o futebol é muito mais do que um jogo. É um enorme fenómeno social, e o seu “interesse” deve ser medido à luz da generalidade dos adeptos e não de alguém que, muito friamente, apenas procura medir a qualidade técnico-táctica a cada jogo.

O que acontece é que, no futebol, os adeptos procuram um sentimento de pertença, uma equipa com a qual se identifiquem e isso, no futebol a nível de clubes, é hoje apenas garantido pela fidelidade entre os próprios adeptos e cada vez menos por uma identidade entre estes e os artistas que defendem as suas cores. Porquê? Porque, por exemplo, o Ronaldo que ainda há alguns dias terminou uma época fantástica ao serviço do Manchester, aparece agora desejoso de se mudar para o Real Madrid. O que resta desse sentimento entre adeptos e artistas está, por isso, cada vez mais reservado para o contexto do futebol de selecções, onde, pegando no mesmo exemplo, Ronaldo poderá fazer o que quiser que será sempre o Ronaldo de Portugal, imune ao poderio económico ou social de qualquer outra nação mundial.

É por isso que o “interesse” de que fala Queirós ignora o sentimento real do adepto comum que é quem, na verdade, torna o futebol no fenómeno que é hoje. Mais, a “qualidade” de que fala Queirós não é assim tão liquida para a generalidade dos adeptos, que, de novo, ignoram os aspectos técnico-tácticos e procuram apenas espectáculo e entretenimento. Será que há muita gente a considerar as meias finais entre Manchester United e Barcelona como espectáculos de grande qualidade? No fundo, para mim, o erro de Queirós está no ignorar da emoção que envolve uma competição como um Europeu. Se os golos são o sal do futebol, a emoção será a essência do fenómeno, e emoção terá certamente de sobra o Euro 2008, comparativamente com qualquer liga dos campeões. Talvez Queirós precisasse de estar naquele autocarro que saiu rumo à final do Euro 2004, ou num outro que ainda há pouco chegou à Suíça para perceber o alcance do “interesse” da competição.

Quanto a mim, posso apenas dizer que vou viver intensamente os jogos de Portugal e entreter-me com a generalidade da competição. Não que espere uma perfeição técnico-táctica dos jogos, mas confesso que me sinto bem mais atraído pela imprevisibilidade táctica desta prova, susceptível a surpresas e improvisações por parte de jogadores e treinadores, do que pelo pormenor (e, claro, maior qualidade) das rotinas e estratégias dos grandes clubes onde quase sempre se consegue antecipar intenções de cada um dos treinadores.

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